A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou, por maioria, que o Município de Guarujá (SP) destine orçamento público para políticas voltadas à erradicação do trabalho infantil na orla marítima da cidade. A decisão foi tomada em razão da omissão do município no enfrentamento do problema. Em caso de descumprimento, a prefeitura deverá pagar multa diária de R$ 20 mil. 

Trabalho infantil - medidas de combate

A decisão estabelece, para o próximo exercício financeiro, dotação de 1,5% do orçamento do município. A partir da destinação das verbas, a prefeitura terá prazo de 180 dias para implementar políticas públicas específicas. No exercício seguinte, a verba deverá ser ampliada para 2,5%. 

O colegiado ainda fixou prazo de 90 dias para que o município identifique as crianças e os adolescentes em situação de trabalho infantil, bem como os locais de maior incidência desse tipo de ocorrência. Periodicamente, deverão ser realizadas campanhas de conscientização da população para combate e desestímulo ao trabalho precoce. O município também foi condenado a pagar indenização por danos morais coletivos de R$ 300 mil.

Risco à integridade física

A decisão é resultado de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que alegou omissão do município de Guarujá diante de graves violações aos direitos da criança e do adolescente em razão do trabalho precoce em suas praias. Entre as atividades citadas pelo MPT estão o trabalho pesado sob sol intenso em barracas de praia e carrinhos ambulantes, em locais que comercializam bebida alcoólica e em situação de vulnerabilidade para fins de exploração sexual. O órgão ainda alegou que o município se negou a firmar termo de compromisso para coibir a prática. Por isso, pediu a condenação do município ao pagamento de indenização por danos à coletividade e à obrigação de adotar medidas para erradicar o trabalho infantil no Guarujá. 

Pedido negado

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região julgaram improcedentes os pedidos do Ministério Público. Conforme o TRT, as pretensões do MPT caracterizam violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes e não caberia à Justiça do Trabalho forçar o Poder Executivo a destinar orçamento e implementar ações no combate ao trabalho infantil. 

Recurso ao TST

No recurso ao TST, o Ministério Público argumentou que a condenação do município no cumprimento de obrigações referentes à erradicação do trabalho infantil não ofende o princípio da separação dos poderes. Segundo o órgão, o objetivo é dar efetividade às normas constitucionais e ordinárias de proteção à criança e ao adolescente. Além disso, sustentou que a omissão do município na fiscalização vem causando danos de natureza patrimonial e extrapatrimonial a toda a sociedade, o que justifica o pagamento de danos morais coletivos. 

Concretização de direito fundamental 

Para o relator do recurso no TST, ministro Agra Belmonte, “o Poder Judiciário detém competência para, em situações excepcionais, determinar a implantação de políticas públicas, com vistas a assegurar a concretização de direito fundamental essencial, sem que isso implique violação ao princípio da separação dos poderes”. Por isso, não se fere a autonomia do município. 

O ministro destacou que o tema já foi tratado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual é possível o controle judicial das políticas públicas sem que isso ofenda à tripartição dos poderes. Lembrou também que recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que “o Poder Judiciário pode determinar, ante injustificável inércia estatal, que o Poder Executivo adote medidas necessárias à concretização de direitos constitucionais dos indígenas”.

Atuação da Justiça Social

Ainda para Agra Belmonte, convém à Justiça do Trabalho, que tem o lema de Justiça Social, enfrentar as questões judicializadas referentes à utilização e ao tratamento do trabalho humano, “sobretudo porque, no caso, estão inseridas no âmbito da proteção constitucional”. 

Ele enfatizou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente deve se dar por meio “de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. 

O relator ressaltou, ainda, que o Brasil firmou compromisso mundial de erradicar o trabalho infantil até 2025, conforme o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 8 - subitem 8.7) da Agenda 2030. Isso requer, segundo ele, medida efetiva do Poder Judiciário diante da inércia do Poder Público em implementar direitos fundamentais previstos na Constituição.

Decisão

Além de fixar dotação orçamentária mínima para o enfrentamento ao trabalho infantil, por maioria, a Oitava Turma do TST ainda determinou que o município crie uma política contínua de fiscalização e identificação de crianças e adolescentes vítimas dessa prática. O encaminhamento e o acompanhamento desses jovens devem estar definidos em plano de trabalho. 

O plano deverá tratar da educação e da formação profissional e do acompanhamento e do cadastro das famílias em programas de assistência social. 

O documento deverá ser apresentado em 120 dias e construído em conjunto com o MPT e com a participação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Ministério Público Estadual. 

A adoção das medidas deverá ser comprovada à Justiça do Trabalho nos prazos fixados, sob pena de multa diária de R$ 20 mil, reversíveis ao Fundo da Criança e do Adolescente Municipal. 

Ficou vencido parcialmente o ministro Caputo Bastos, quanto à concretização das medidas. 

Processo: RR-959-34.2015.5.02.0302

FONTE: TST
POR: Lourdes Tavares